domingo, 3 de agosto de 2008

Um discreto bater de asas de anjos

hoje um trecho do excelente Rubem Alves.
"Um discreto bater de asas de anjos"

O Victor é um adolescente. Arranjou um emprego no MacDonald's. No MacDonald's trabalham adolescentes. Antes de iniciar o seu trabalho eles são treinados. São treinados, primeiro, a cuidar do espaço em que trabalham: a ordem, a limpeza, os materiais - guardanapos, canudinhos, temperos, bandejas. É preciso não desperdiçar. Depois, são treinados a lidar com os clientes. Delicadeza. Atenção. Simpatia. Sorrisos. Boa vontade. Clientes não devem ser contrariados. Têm de se sentir em casa. Têm de sair satisfeitos. Se sairem contrariados, não voltarão. O Victor aprendeu bem as lições: começou o seu trabalho. Mas logo ele descobriu uma coisa que não estava de acordo com o aprendido: os adolescentes, fregueses, não cuidavam das coisas como eles, empregados, cuidavam.

Tiravam punhados de canudinhos, além do necessário, para brincar. Usavam mais guardanapos do que o necessário. Punham as bandejas dentro do lixo. Aí o Victor não conseguiu se comportar de acordo com as regras. Se ele e os seus colegas de trabalho obedeciam as regras era necessário que os clientes obedecessem as mesmas regras. Isso vale não só para o MacDonald's como também para toda a vida social. Por que sorrir e ser delicado com fregueses que não respeitavam as regras de educação e civilidade? E ficou claro para todo mundo, colegas e clientes, que o Victor não estava seguindo as lições... O chefe chamou o Victor. Lembrou-lhe o que lhe havia sido ensinado. O Victor não se convenceu. Não cedeu. Disse de forma clara o que estava sentindo. O que ele desejava era coerência. Aquela condescendência sorridente era uma má política educativa. Era injustiça. Os seus colegas de trabalho sentiam e pensavam o mesmo que ele. Mas eram mais flexíveis... Não reclamavam. Engoliam o comportamento não educado dos clientes-adolescentes com o sorriso prescrito. E o chefe, sorrindo, acabou por dar razão ao Victor. Qual a diferença que havia entre o Victor e os seus colegas? O Victor tem síndrome de Down.

O Edmar é um adolescente. Calado. Quase não fala. Arranjou um emprego como lavador de automóveis num posto. Emprego bom para ele porque não é necessário falar enquanto se leva um carro. Mas de repente, sem nenhuma explicação, o Edmar passou a se recusar a trabalhar. Ficava quieto num canto sem dar explicações. O Edmar, como o Victor, tem síndrome de Down. A "Fundação Síndrome de Down", que havia arranjado o emprego para o Edmar, foi informada do que estava acontecendo. Que tristeza! Um bom emprego - e parece que o Edmar ia jogar tudo fora. O caminho mais fácil seria simplesmente dizer: "Pena. Fracassamos. Não deu certo. Pessoas com síndrome de Down são assim..." Mas a encarregada da inclusão não aceitou essa solução. Tinha de haver uma razão para o estranho comportamento do Edmar. E como ele é calado e não explica as razões do que faz, ela resolveu fazer uma coisa radical: empregou-se como lavadora de carros, no posto onde o Edmar trabalhava. E foi lá, ao lado do Edmar, que ela descobriu o nó da questão: o Edmar odiava o "pretinho" - aquele líquido que é usado nos pneus. Odiava porque o tal líquido grudava na mão, não havia jeito de lavar, e a mão ficava preta e feia. O Edmar não gostava que sua mão ficasse preta e feia. Todos os outros lavadores - sem síndrome de Down - sentiam o mesmo que o Edmar sentia, em relação ao "pretinho". Também eles não gostavam de ver suas mãos pretas e sujas. Não gostavam mas não reclamavam. A solução? Despedir o Edmar? De jeito nenhum! A "lavadora" pôs-se a campo, numa pesquisa: haverá um outro líquido que produza o mesmo resultado nos pneus e que não seja preto? Descobriu. Havia. E assim o Edmar voltou a realizar alegremente o seu trabalho com as mãos brancas. E, graças a ele, e ao trabalho da "lavadora", todos os outros puderam ter mãos limpas ao fim do dia de trabalho.

Essa é uma surpreendente característica daqueles que têm síndrome de Down: não aceitam aquilo que contraria o seu desejo e suas convicções. O Victor desejava coerência. Não iria engolir o comportamento não civilizado de ninguém. O Edmar queria ter suas mãos limpas. Não iria fazer uma coisa que sujasse suas mãos. Quem tem síndrome de Down não consegue ser desonesto. Não consegue mentir. E é por isso que os adultos se sentem embaraçados pelo seu comportamento. Porque os adultos sabem fazer o jogo da mentira e do fingimento. Um adulto recebe um presente de aniversário que julga feio. Aí, com o presente feio nas mãos, ele olha para o presenteador e diz sorridente: "Mas que lindo!" Um adolescente com síndrome de Down, numa situação assim, simplesmente tomaria o presente e diria, também com um sorriso, ao presenteador: "Vou dar o seu presente para o Fulano. Ele vai gostar..."

recomento muito a visita ao seguinte endereço... http://www.rubemalves.com.br/

ps: não estou postando como a frequência que deveria e, infelizmente, não estou realizando algum de meus objetivos, mas logo, isso será resolvido

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